Post por Rafael Roesler
[Notas minhas: essa receita precisa de uma panela grande, de verdade, como um caldeirão. Se não for uma panela grande com muita água o tempo todo, o creme vai queimar. Caso você não tenha uma dessas, divida a receita em duas panelas ou faça só metade.]
Creme de ervilhas é um negócio banal, eu sei. Mas ESTE, meu amigo, minha amiga, não é qualquer creme de ervilhas. É o creme de ervilhas perfeito. Sabe quando chegam as primeiras noites frias de inverno e você chega em casa gelado e destruído, depois de um longo e exaustivo dia de batalha? Esse creme é o que vai te aquecer e revigorar e te mostrar que a vida, no fim das contas, é uma coisa boa. Na verdade, esse creme pode salvar sua vida em uma noite gelada de inverno impiedoso.
O sabor desse creme é baseado na própria ervilha e nas maravilhas proporcionadas por uma costela de porco defumada, sem uso de creme de leite ou assemelhados.
O cozimento demora várias horas. A consistência cremosa vem toda desse cozimento prolongado, sem artifícios como uso de panelas de pressão, liquidificadores ou processadores. E quanto mais cedo você deixar pronta, melhor vai ficar o sabor na hora de servir. Eu costumo preparar quando tenho uma tarde livre, para servir quando o pessoal chega em casa de noitinha no inverno.
Ingredientes (para 5-6 pessoas)
- 500 g de ervilhas secas partidas
- 100 - 200 g de uma boa costela de porco defumada com osso (o quanto você vai usar de costela depende do quanto você quer que o creme fique robusto e pesado; substituir por bacon é possível, mas não funciona tão bem)
- Uma cebola pequena picada
- Um punhado de salsa picada
- Um punhado de cebolinha picada
- Uma batata média picada em cubinhos
- Uma (se grande) ou duas (se pequenas) cenouras picadas em cubinhos
- Sal e pimenta vermelha moída
- Água fervente (quanto? MUITA. Umas duas chaleiras, pelo menos. Uns 4-5 litros)
- Azeite de oliva extra-virgem de boa qualidade
Primeiro, coloque uma chaleira cheia de água para ferver. Depois, lave as ervilhas em água corrente fria e escorra. Reserve.
Pique a cebola e refogue em uma panela grande com umas duas colheres de sopa de azeite de oliva, até começar a ficar dourada e macia. Acrescente uma pitadinha (mas só um pouquinho mesmo! Menos! Menos! Isso, assim) de pimenta vermelha moída sobre a cebola. Corte a costela em pedaços não muito pequenos e acrescente na panela. Mexa (use sempre uma colher de pau para mexer) e deixe refogar por alguns minutos (com cuidado para não queimar a cebola nem a costela - não use fogo muito alto). Acrescente a batata e a cenoura picadas e deixe refogar mais um pouco. Acrescente a salsa e cebolinha picadas e mexa mais um pouco (muuuuuito cuidado para que o tempero verde não fique queimado e marrom - essa fase toda é bem rápida). Neste momento um aroma sublime vai começar a subir da panela. Inspire e sinta. Tome o primeiro gole da sua taça de vinho tinto - um Carmenere chileno ou argentino decente está de bom tamanho.
Acrescente a ervilha na panela, jogue mais um fio de azeite por cima e mexa para misturar bem (mais uma vez: cuidado para que nada comece a ficar escuro e queimado). Assim que você achar que tudo está bem misturado e os temperos "impregnaram" a ervilha (isso vai levar só um minuto ou menos), jogue a água fervente (pelo menos uns 2 litros, mas pode ser mais). Coloque outra chaleira de água para ferver. Acrescente sal (a gosto, e depende de quanto sal tem a costela que você usou; mas pode tentar uma colher de sopa rasa).
Agora é o seguinte: coloque o fogo bem alto, tampe a panela e espere. E espere. E espere. E espere mais um pouco. Vá ler um livro. Ver um filme. Fazer o que quer que seja que você faz. E continue tomando seu vinho. Sou por princípio contra panelas de pressão (entre outras razões, porque quando eu era criança ouvi dizer que elas tinham o hábito de explodir). E também não pense de jeito nenhum em colocar nada no liquidificador ou processador. Deixe o fogo fazer seu trabalho. Lentamente. De vez em quando, vá lá, abra a panela, dê uma mexida na sopa, e aproveite para inspirar mais uma vez o aroma sublime, reconfortante e acolhedor. Depois de mais ou menos uma hora, uma parte da água vai ter evaporado e a coisa toda vai ter dado uma reduzida. Nesse momento, jogue mais um monte de água fervente lá dentro, mexa bem, tampe a panela. E espere. E espere. E espere um pouco mais. Quando você achar que "Agora TEM que estar pronto!", espere um pouco mais.
Ok, agora vá lá e confira a situação. A idéia é que a ervilha tenha se dissolvido quase completamente, apenas com o cozimento prolongado. Os pedaços de tempero verde se transformaram em pequenos fios verdes semi-liquefeitos. Os cubinhos de batata e cenoura viraram minúsculos objetos arredondados e amolecidos, a maior parte já derretida em meio ao creme. Aqui e ali, pedaços maravilhosos de costela hiper-cozida e macia estão boiando ou mergulhando, a carne soltando dos ossos. Grande parte da água se evaporou, deixando a consistência realmente cremosa, não líquida. Você está buscando uma consistência de iogurte (se isso ainda não aconteceu, espere mais para que mais água evapore - ao mesmo tempo, cuidado para que não fique pouca água, levando o creme a engrossar demais ou até queimar; administrar a quantidade certa de água na panela durante o cozimento é um dos maiores desafios da receita). Prove para conferir como está o sal. Na fase final, continuar mexendo de vez em quando vai ajudar a formar um creme coeso e dissolver os grãos de ervilha que ainda resistem.
Desligue o fogo e deixe o creme descansar um pouco com a panela fechada. Ele ainda vai ficar aquecido por um bom tempo. Mexa novamente antes de servir.
Sirva o creme em uma "cumbuca" apropriada para sopa. Não deixe de "pescar" um pedaço da costela junto. Corte um pedaço de um bom queijo de colônia, pique em cubos e jogue em cima do creme. Coloque uma fatia de pão preto na torradeira, pique em cubos e espalhe por cima também. Regue com um fio de azeite. Continue tomando seu vinho. Bem-vindo ao paraíso.